Fotografia e contexto
Robert Doisneau (1912-1994), Au Café, Chez Fraysse, Rue de Seine, Paris, 1958
Contexto externo é a situação na qual a fotografia é apresentada ou encontrada. Toda fotografia é, intencional ou acidentalmente, situada num contexto. Geralmente vemos fotografias em situações bem controladas: livros, galerias, museus, jornais, revistas, cartazes, salas de aula. O significado de qualquer fotografia é altamente dependente do contexto em que é apresentada: como e onde a foto é vista afeta radicalmente o seu significado. Gisèle Freund, fotógrafa e intelectual francesa, relata como uma foto de um seu compatriota foi colocada em vários contextos externos, que afetaram radicalmente o seu significado.
Em 1953 Robert Doisneau, fotojornalista francês, fez uma série de fotos dos cafés parisienses, um de seus assuntos prediletos. Num dos cafés que visitou, encantou-se com um casal bebendo vinho no balcão e pediu para fotografá-los. Eles consentiram, e a foto acabou publicada no Le Point, revista de grande circulação, numa matéria sobre cafés ilustrada com fotos de Doisneau.
Nessa ocasião, o fotógrafo passou essa e outras fotos para o seu agente; algum tempo depois, sem o consentimento de Doisneau nem das pessoas fotografadas, a foto do café apareceu num folheto sobre os malefícios do álcool, produzido por uma liga anti-etilismo. A foto tinha sido vendida à liga pelo agente de Doisneau.
Tempos mais tarde, ainda sem o consentimento do fotógrafo e dos fotografados, e dessa vez sem o conhecimento do agente, a foto apareceu num tablóide de fofocas, que a copiou do Le Point, com a legenda: "Prostituição nos Champs-Élysées". O homem na fotografia processou o tablóide, a agência e o fotógrafo. A corte condenou o tablóide, também declarou a agência culpada, mas inocentou Doisneau.
Os diversos ambientes em que a foto do café apareceu sobrepujaram seu conteúdo e determinaram seu significado de um modo desfavorável ao fotógrafo, aos sujeitos e à própria fotografia, mas este é o poder do contexto externo.
Desde a década de 1950 a foto de Doisneau tem sido mostrada em outros notáveis contextos externos, que lhe trouxeram ainda outros significados. Frequentemente ela é exibida no Museu de Arte Moderna de Nova York, com moldura coberta de vidro. (...) Nesse contexto, ela não é parte de uma reportagem sobre cafés, não é usada numa pregação contra o álcool nem contra a prostituição; está exposta como obra de arte, num dos museus mais prestigiosos do mundo.
A foto também está no livro de John Szarkowski "Looking at Photographs: 100 Pictures from the Collection of the Museum of Modern Arts", num ensaio de uma página. Na interpretação de Szarkowski, a foto fala dos "secretos pecados veniais das pessoas comuns" - um caso de sedução sexual.
No momento, ela desfruta da segurança do poder absoluto. Um braço protege seu corpo, sua mão toca a taça como se fosse a maçã do Paraiso. O homem está indefeso e vulnerável; afogado por seu próprio desejo, ele empenhou todos os recursos, e já não resta mais nenhuma saída satisfatória. Pior ainda, ele é mais velho do que deveria, e sabe que de um modo ou de outro a aventura certamente acabará mal. Para afastar o pressentimento, ele está bebendo seu vinho mais rápido do que deveria.
Szarkowski baseia suas especulações nas informações contidas no contexto interno da foto, ou aquilo que é mostrado. A mulher parece bem mais jovem que o homem; ele parece olhá-la com desejo; ela parece mais confiante, e uma das taças dele está vazia, enquanto as duas taças dela estão quase cheias. Embora essas informações não configurem automaticamente uma tentativa de sedução, Sarkowski encontra nelas argumentos para sua interpretação e tenta nos convencer de que sua visão é correta.
O tratamento dado por Szarkowski à fotografia é muito mais positivo e razoável que os dados pela liga anti-álcool ou pelo tablóide sensacionalista. Ele informa aos leitores que está fazendo uma interpretação; os outros dois ignoram a intenção de Doisneau de que a foto fosse parte de um ensaio sobre cafés, e também forçam a fotografia a atender a seus proósitos, sem que o leitor seja avisado disso.
A foto de Doisneau aparece em pelo menos seis contextos diferentes, incluindo este livro. (...) Este exemplo de uma fotografia em diferentes contextos externos ilustra quão facilmente o significado de uma foto pode ser alterado, especialmente se for acrescentado texto a ela. Fotografias são relativamente indeterminadas em seu significado; este pode ser facilmente alterado pela situação e pela maneira com ela é apresentada.
Terry Barrett
Obtido no site:
http://www.henriquetorres.net/contexto.html
